domingo, 8 de setembro de 2024

SINOPSE

 

 


Uma voz rouca e grave canta uma cantiga de ninar aterrorizante que embala a costura meticulosa do ovissaco de uma aranha. Regina, 37 anos, mulher preta, fisiculturista, sente as patas da aranha se mexendo em seu ventre. É o bicho que mais tem medo na vida. Não consegue tocar sua barriga. Acaba de descobrir que está grávida, justo após se mudar para o 16º andar do Edifício Barcelona, de volta ao Brasil, para se preparar para a competição mais importante de sua carreira.


Após o ultrassom, sobe os andares do edifício correndo, forçando seu corpo ao extremo, na esperança de expulsar o invasor que cresce dentro dela. No 15º andar, quase atropela Heloísa, 75 anos, mulher branca, aposentada, moradora desde a fundação do prédio. Heloísa se recupera do pequeno acidente e após Regina seguir, continua imóvel, hesitando em jogar fora as lembranças de décadas de um amor do qual se viu violentamente afastada. Seu amante está no hospital. É proibida de visitá-lo. Ela segue com o hábito de preparar o guisado das quintas, suas noites certas com ele. Mas ele não vem mais. Nunca mais. Heloísa recebe a notícia de sua morte.


O luto e a gestação, vividos em silêncio por essas mulheres, é atravessado por uma infiltração que atinge seus apartamentos e as obrigam a uma convivência não desejada. Neste momento de atritos e solidão, é justo com uma estranha que compartilham íntimas angústias. Não é a primeira vez que Regina vive a maternidade. Ela se esquiva de sua família, que mora na periferia da cidade, pois tem medo de contar à jovem dançarina de passinho, Brenda, que ela vai ter uma irmã. Brenda foi criada por sua avó, Marlene, enquanto Regina focava em sua carreira de atleta internacional. Heloísa nunca quis ser mãe, mas rememora um aborto vivido na juventude e como a relação tão longa com seu companheiro, por ser extra-conjugal, não lhe garantiu ao menos o direito da despedida.


Regina é obrigada a quebrar o silêncio com sua família quando sofre um sangramento e necessita de repouso. Entende que o sonho de ser campeã não acontecerá neste momento. O controle absoluto que exercia sobre seu corpo é rompido por uma revolução de incontrolável natureza. Relembra as antigas cantigas de ninar amedrontadoras de sua avó que rememoram à roça e a bichos peçonhentos, reescrevendo-as e modificando suas letras. Transforma o terror que habita seu imaginário em esperança. Heloísa se dá conta que ainda que tenha fugido de um matrimônio, seus hábitos e rituais cotidianos ainda espelham a presença de um homem que não está mais lá e que precisa resgatar seus desejos, latentes e vivos na velhice.


A vida pulsa no corpo branco idoso radicalmente atravessado pelo luto e no corpo negro atlético radicalmente atravessado pela gravidez, que se transformam através deste encontro. O filme acompanha a construção desta amizade inesperada entre mulheres tão diferentes, ao longo de 8 meses, até o parto de Regina. É na partilha de suas vulnerabilidades e diferenças, que reinventam suas moradas, corpos e desejos.

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