Mais um pouquinho da nossa arte gráfica criada pelo designer Ronei Sampaio!
FRAGILIDADES
Uma mulher negra fisiculturista descobre uma gravidez indesejada. Uma mulher branca idosa vive a perda de um grande amor. Vizinhas, elas desenvolvem uma improvável amizade e encontram, em suas paradoxais fragilidades, o impulso para reinventar seus corpos, moradas e desejos ao longo do luto e da gestação.
segunda-feira, 30 de setembro de 2024
terça-feira, 24 de setembro de 2024
CONTRAPARTIDA
Nos dias 16 e 17 de setembro, no Instituto Cervantes, Paula Santos e Bruno Hilário realizaram a oficina Fragilidades - Desenvolvimento de Projetos Cinematográficos, como contrapatida sociocultural do edital BH NAS TELAS, do qual recebemos recursos para desenvolver o primeiro tratamento do nosso roteiro.
Foi maravilhoso poder compartilhar nosso processo criativo e pensar as estruturas que possibilitam pensar a etapa de desenvolvimento de um projeto cinematográfico.
Nosso agradecimento a todas as pessoas que tiveram presente, à equipe do Instituto Cervantes e a maravilhosa acolhida da equipe da 4ª Semana Cinema Negro.
quarta-feira, 11 de setembro de 2024
OFICINA FRAGILIDADES
A etapa de desenvolvimento representa um dos momentos mais importantes do processo de realização cinematográfica. Ao mesmo tempo em que precisamos dar vazão à criatividade, preparar o terreno e fazer florescer a narrativa fílmica, materializadas em um roteiro maduro, consolidamos um plano de trabalho executivo, físico-financeiro, buscando condições materiais que possam viabilizar o futuro da obra.
É contraditório que as políticas de fomento ainda destinem pouco recurso para financiamento desta fase. Em um cenário de múltiplas desigualdades, se debruçar sobre estas questões, permite formular e debater estratégias possíveis para a viabilização dos nossos projetos.
Venha conosco construir pontes múltiplas de reflexão sobre o fazer cinematográfico! A oficina integra a belíssima programação da 4ª Semana do Cinema Negro.
A oficina apresentará um conteúdo aprofundado sobre a formatação e o desenvolvimento de projetos de longa-metragem, considerando contextos descentralizados de realização. Seu conteúdo perpassa as etapas de roteirização (da ideia original ao primeiro tratamento do roteiro), a pesquisa, o papel da direção e conceitualização estética, a estruturação do projeto executivo e o papel do produtor no processo criativo e logístico da etapa de desenvolvimento.
Será apresentado um estudo de caso do desenvolvimento do longa-metragem de ficção Fragilidades (drama/suspense/fantástico), produzido pela Tauma - lab de arte, audiovisual e pós-produção (BH / MG), dirigido e roteirizado pela cineasta Paula Santos e com produção executiva de Bruno Hilário.
A oficina é realizada como contrapartida social do projeto Fragilidades (0752/2022), realizado com recursos do edital BH NAS TELAS 2022 - Fundo Municipal de Cultura, na categoria dedicada ao desenvolvimento de roteiro.
A 4ª Semana do Cinema Negro é produzida pela Quiabo Produções e Carapia Filmes, realização SECULT - Lei Paulo Gustavo, ID 259384.
📽️ Oficina Fragilidades - 4ª Semana de Cinema Negro de BH
📅 16 e 17 de setembro, das 9h às 12h
📌 Rua dos Inconfidentes, 600, Savassi
💰Formação gratuita. Inscrições: Basta preencher este formulário
terça-feira, 10 de setembro de 2024
NOTA DE PRODUÇÃO

(Lucas Sander, Paula Santos e Bruno Hilário)
Estamos em um ótimo momento para a realização do projeto Fragilidades. Ainda na etapa final de desenvolvimento, já conquistamos parte substancial do orçamento total do filme, através do qual poderemos iniciar a etapa de produção em 2025. Este é o momento ideal para estabelecer parcerias de coprodução nacional e internacional. Temos muito interesse em compartilhar nossos processos criativos e esperamos contar com a expertise de profissionais parceiros nas etapas de produção (script doctor, elenco, equipe) e pós-produção (efeitos visuais, gradação de cor e finalização de imagem e som).
O filme traz uma discussão sobre o acesso aos bens de consumo e ao centro econômico de grandes capitais pela população negra/periférica –representada pela personagem Regina. Já a personagem Heloísa, busca apresentar dramas de interesse de um público mais maduro, agrega à narrativa discussões sobre perda, identidade, desejo e memória na terceira idade. Ambas personagens carregam o protagonismo da mulher nas telas, da sororidade e afetividade feminina, mulher negra/mulher idosa buscando construções mais complexas do que normalmente se tem acesso. Fragilidades instiga o grande público a partir do potencial criativo de sua proposta, que convoca a audiência a mergulhar em um universo sensorial entre o drama, o suspense e o fantástico.
domingo, 8 de setembro de 2024
PROCESSO DE ESCRITA E CONSTRUÇÃO ESTÉTICA
Eu, Paula Santos, sou uma mulher negra de 38 anos de classe média baixa. Em 2006, vim do interior para Belo Horizonte, capital de Minas Gerais, para estudar. Foi quando passei a morar no Edifício Barcelona, prédio da década de 70, de 17 andares, na região central da cidade, que abriga idosos remanescentes de sua fundação. Ao longo de mais de uma década, muitos dos moradores que convivi envelheceram, alguns morreram e uma diversidade de novos ocupantes foi chegando.
Sempre me intriguei com as complexas relações sociais, afetivas e políticas em fluxo no microcosmos deste prédio. Motivada pelo porteiro, de quem ouvi casos interessantíssimos, entrevistei moradoras na faixa dos 70 a 80 anos para pesquisa do meu curta Sala de Espera, cuja protagonista era uma senhora solitária. Histórias fantásticas de amor, paixões, mortes e luto me impressionaram.
Numa visita de minha mãe, 75 anos, outra conversa me instigou: a revelação de que durante minha gestação ela não tocava sua barriga. Criada na roça, o bicho que mais tinha medo era aranha. Quando eu me mexia, ela pensava ser uma tarântula gigante dentro do seu corpo. Essa imagem forte ficou em minha cabeça.
Começo em 2018, então, a escrita de uma ficção inspirada por personagens reais que cruzei no prédio e vivências próprias. Fragilidades parte de uma curiosidade e fabulação sobre as narrativas e encontros possíveis caso as paredes do edifício fossem desnudadas. Assim, seria possível enxergar que existências solitárias fechadas em suas intimidades podem apresentar curiosas confluências e partilhar coletivamente de medos, angústias e desejos.
Regina (37, negra) e Heloísa (75, branca) são personagens fictícias atravessadas por muitos sentimentos e sensações suscitadas a partir dos encontros com as mulheres com quem cruzei. A história e as personagens são inspiradas pelas pulsões de vida e de morte presentes nos diversos movimentos e ciclos compartilhados. São personagens que vivem, ao longo do filme, o luto e a gestação dos outros e de si mesmas num contínuo processo de reinvenção.
Seus corpos e o corpo do edifício que habitam são os espaços onde ocorrem os conflitos paradoxais das limitações e potências que as regem, abrigando, condicionando ou deslocando seus desejos, medos e sonhos. As ideias de inércia, escoamento, corrosão, infiltração, demolição, transbordamento são movimentos que permeiam não apenas os espaços físicos, mas também seus imaginários e inconscientes. Tal potência e estranhamento serão transpostos para os campos visual e sonoro de forma a criar o universo conturbado em que elas se encontram. Também serão tensionados o contraste e a confluência dos diferentes ritmos e velocidades desses corpos.
Esteticamente, o filme busca construir essa arquitetura subjetiva, por vezes fantástica, para dar conta dos instigantes e estranhos processos de transformação que atingem as protagonistas no decorrer de sua relação com a maternidade, o envelhecimento, numa linha tênue entre morte e vida, presença e ausência, fantasia e realidade, gestação e luto, dos outros e de si mesmas.
O encontro entre as duas acontece em um confronto e tensão devido a uma infiltração e obra que atinge seus apartamentos. Infiltração que também afeta suas vidas. A princípio, elas se vêem submersas, estanques diante dos acontecimentos que as paralisam.
No entanto, é nesta pausa compulsória, que são levadas a confrontar seus medos reais. É na convivência forçada com outra mulher que conseguem partilhar de suas íntimas FRAGILIDADES: a maternidade complexa que Regina vive com sua primeira filha e na relação com sua mãe; o que precisou abandonar e perder na sua obstinação pelo grande título no fisiculturismo; os sonhos e desejos que se transformam; o luto de um aborto espontâneo vivido na juventude por Heloísa; o medo de Heloísa do envelhecimento, da morte dos seus contemporâneos e da sua própria morte, o medo do desaparecimento e da perda de sua identidade na velhice.
O medo que Regina carrega de aranhas e que projeta no ser que está dentro de seu corpo é antigo. Vem desde as cantigas de ninar e histórias de terror de sua avó na roça, cantadas para sua mãe e para ela, bebê. Histórias passadas de uma geração para outra que são reinventadas e transformadas, ao longo da dramaturgia do filme, na memória, na voz e nos corpos de Regina, Marlene e Brenda.
De início, uma aparente enorme distância separa as protagonistas: a raça e a cor da pele, a classe, a idade. Mas fisicamente, elas estão separadas apenas pelas paredes de um andar. E é justamente com uma estranha que conseguem compartilhar suas fragilidades e medos mais profundos, iniciando assim a construção de um improvável vínculo de cumplicidade. O encontro e a partilha entre mulheres tão diferentes as conduzem a questionar e revisitar seus sonhos, suas frustrações e a se reinventarem, buscando concretizar novos desejos e prazeres em seus contextos atuais.
Sonoramente, o filme busca construir os estranhamentos e tensões da narrativa. Sons extra-diégeticos que amplifiquem uma rachadura no teto, o fluxo lento de uma infiltração, um barulho interno da barriga são recursos que serão utilizados para expandir as bordas e contornos do dentro e fora. O som também vai explorar os atravessamentos do que está fora de quadro, a cidade que circunda esse prédio e como ela invade o quadro.
Os cenários revelam as personalidades das personagens e se transformam junto com elas. Regina se mudou recentemente no início do filme: seu espaço se configura num ambiente mais arejado, prático, que ela vai preenchendo com suas referências pop. Junto com a gravidez, a obra afeta esse arejamento trazendo imposições e necessidades de rearranjos. Já Heloísa vive num espaço cheio de acúmulos, móveis mais pesados, muitos objetos, que carregam uma densidade. À medida que vai reconectando consigo, vai jogando fora o que não lhe cabe mais. As transformações dos ambientes - algumas operadas em cena - ao longo do filme, denotam a passagem do tempo de cerca de 8 meses. A história se passa com o tempo demarcado da gestação de Regina, descoberta no segundo mês de gravidez até o parto.
Um personagem secundário de extrema importância é o porteiro noturno Damião, negro, obeso, 58 anos, há 10 trabalhando no edifício, pesquisador de alienígenas, fã de Hitchcock, que tricota durante as 8h de vigilância noturna e anseia pela almejada aposentadoria. Damião é confidente de Heloísa que tem o hábito de fumar na porta do edifício todas as noites já que seu amante não gostava do cheiro do cigarro. Também tem uma empatia enorme por Regina, moradora recente e uma das poucas pessoas pretas, como ele, que habita aquele espaço. As câmeras de vigilância, que ele evita observar todas as noites, carregam uma narrativa paralela no filme, pois elas são lentamente veladas por teias de aranhas, corrompendo sua função imagética pressuposta.
As personagens estão em supostos estados de espera. Mas a espera não é passiva. Faremos uso de planos sequências explorando os movimentos internos e externos contundentes que seus corpos e mentes atravessam. Experimentaremos formas que evidenciem como o corpo quebra mecanismos de repetição e automatismo quando algo sai do controle, gerando reações de estranhamento, tensão, contração e dilatação. Trabalharemos inventivamente planos que vislumbrem o esqueleto do prédio e a forma vertical na qual vivências diversas se sobrepõem e convivem tão próximas fisicamente, revelando a coreografia dos corpos que atuam neste espaço. O prédio é um personagem por si só que vai sendo observado e desvelado, assim como os afetos das relações. FRAGILIDADES investe bastante na composição dos atores e busca a base da dramaturgia na dialética do corpo e território, sua relação psicológica, emocional e social com o espaço, tensionando público e privado.
Regina tem muito de mim. Ao circular em ambientes de classe alta, majoritariamente brancos, mulheres negras precisam resistir arduamente no enfrentamento do racismo para não ter suas identidades apagadas e conquistar espaços de poder. Já a luta e a resistência de Heloísa são de outra ordem. Ao furar uma estrutura tradicional da concepção de família e hipocrisias de uma relação falida, sofre consequências dolorosas. Me interessa a pesquisa das fricções vividas pelos corpos destas mulheres, um corpo negro atleta sendo radicalmente atravessado por uma gravidez; um corpo branco envelhecendo e sendo atravessado pelo luto.
Não busco com esse projeto criar dicotomias simplistas entre branca e negra, adulta e idosa. Busco me deslocar para a subjetividade do outro, entendendo que aqui construo personagens que carregam marcas estruturais da nossa sociedade, mas são singulares e complexos. Minhas investigações no cinema são atravessadas pelo teatro, performance e dramaturgias híbridas. A possibilidade de imergir e aprofundar nesta narrativa e linguagem após uma pandemia que afetou a percepção e a relação com a presença, o luto, o espaço de morada e vizinhança é algo instigante e desafiador.
Fragilidades busca trabalhar o que o escritor Jean Claude Carrière afirma como algo "que tentamos esconder de nós mesmos e dos outros, sem suspeitar de que ela, a fragilidade, na verdade, impulsiona nosso dia-a-dia, nos aproxima uns dos outros; longe de ser uma simples e irremediável fraqueza, se torna, porque ela nos é comum, o motor de toda expressão, de toda emoção e, freqüentemente, de toda beleza.”DESENVOLVIMENTO DO PROJETO
Em 2018, FRAGILIDADES foi selecionado para o 9º Brasil CineMundi - Encontro Internacional de Co-Produção.
Em 2022 foi premiado no edital BH NAS TELAS - Desenvolvimento de Roteiro, conseguindo financiamento para a escrita do primeiro tratamento.
Em 2023, é premiado como Melhor Argumento no primeiro Concurso de Argumentos do XI FRAPA - o maior Festival de Roteiros da América Latina, concorrendo com mais de 400 projetos.
Em 2024 é selecionado e premiado no III Sur Frontera WIP LAB no XV Festival da Fronteira (Bagé, RS);
Contemplado no edital para realização de longas-metragens da Lei Paulo Gustavo (SECULT-MG), recebendo recursos para iniciar a sua produção com filmagem prevista para 2025;
Selecionado para o XII FRAPA Laboratório, Concurso de Roteiros e Rodada de Negócios.
Selecionado para participar da Residência Casaquarium 2024, uma imersão de escrita criativa do roteiro na Ilha de Fårö (Suécia), com apoio do Projeto Paradiso.
SINOPSE
Uma voz rouca e grave canta uma cantiga de ninar aterrorizante que embala a costura meticulosa do ovissaco de uma aranha. Regina, 37 anos, mulher preta, fisiculturista, sente as patas da aranha se mexendo em seu ventre. É o bicho que mais tem medo na vida. Não consegue tocar sua barriga. Acaba de descobrir que está grávida, justo após se mudar para o 16º andar do Edifício Barcelona, de volta ao Brasil, para se preparar para a competição mais importante de sua carreira.
Após o ultrassom, sobe os andares do edifício correndo, forçando seu corpo ao extremo, na esperança de expulsar o invasor que cresce dentro dela. No 15º andar, quase atropela Heloísa, 75 anos, mulher branca, aposentada, moradora desde a fundação do prédio. Heloísa se recupera do pequeno acidente e após Regina seguir, continua imóvel, hesitando em jogar fora as lembranças de décadas de um amor do qual se viu violentamente afastada. Seu amante está no hospital. É proibida de visitá-lo. Ela segue com o hábito de preparar o guisado das quintas, suas noites certas com ele. Mas ele não vem mais. Nunca mais. Heloísa recebe a notícia de sua morte.
O luto e a gestação, vividos em silêncio por essas mulheres, é atravessado por uma infiltração que atinge seus apartamentos e as obrigam a uma convivência não desejada. Neste momento de atritos e solidão, é justo com uma estranha que compartilham íntimas angústias. Não é a primeira vez que Regina vive a maternidade. Ela se esquiva de sua família, que mora na periferia da cidade, pois tem medo de contar à jovem dançarina de passinho, Brenda, que ela vai ter uma irmã. Brenda foi criada por sua avó, Marlene, enquanto Regina focava em sua carreira de atleta internacional. Heloísa nunca quis ser mãe, mas rememora um aborto vivido na juventude e como a relação tão longa com seu companheiro, por ser extra-conjugal, não lhe garantiu ao menos o direito da despedida.
Regina é obrigada a quebrar o silêncio com sua família quando sofre um sangramento e necessita de repouso. Entende que o sonho de ser campeã não acontecerá neste momento. O controle absoluto que exercia sobre seu corpo é rompido por uma revolução de incontrolável natureza. Relembra as antigas cantigas de ninar amedrontadoras de sua avó que rememoram à roça e a bichos peçonhentos, reescrevendo-as e modificando suas letras. Transforma o terror que habita seu imaginário em esperança. Heloísa se dá conta que ainda que tenha fugido de um matrimônio, seus hábitos e rituais cotidianos ainda espelham a presença de um homem que não está mais lá e que precisa resgatar seus desejos, latentes e vivos na velhice.
A vida pulsa no corpo branco idoso radicalmente atravessado pelo luto e no corpo negro atlético radicalmente atravessado pela gravidez, que se transformam através deste encontro. O filme acompanha a construção desta amizade inesperada entre mulheres tão diferentes, ao longo de 8 meses, até o parto de Regina. É na partilha de suas vulnerabilidades e diferenças, que reinventam suas moradas, corpos e desejos.